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sábado, 8 de outubro de 2011

Síntese - "A Ordem do Discurso", de M. Foucault

SÍNTESE DO TEXTO: “A ORDEM DO DISCURSO”, DE MICHEL FOUCAULT

Por: Talita Godoy – 03/10/2011



Discurso pronunciado em 02 de dezembro, de 1970, na aula inaugural do College de France, em substituição do professor e amigo pessoal de Foucault, Jean Hyppolite.

Foucaul inicia o discurso falando sobre como gostaria que fossem os seus próximos dias ali, discursando, que não houvesse um começo propriamente dito, mas que simplesmente começasse. Que uma voz ditasse o que deveria ser dito. E não há? Todo começo é solene. Por que? Formas ritualizadas.

O homem pensa: não queria entrar na ordem do discurso, mas queria que o discurso fluísse leve e feliz.
A instituição responde: comece, sem medo, você verá que o discurso está dentro de uma ordem das leis, sempre é vigiado, ele o desarma, e “se ele tem algum poder, é de nós, e de nós apenas, que o recebe”.

Poder são relações, relacionamentos.

·         Inquietações entre o desejo e o discurso:

O discurso é material de coisa pronunciada ou escrita (tudo se copia...)

Duração que não nos pertence
Sentir poderes e perigos inimagináveis
Suspeita das lutas, vitórias, feridas, dominações, servidões que atravessam tantas palavras


HIPÓTESE: “Suponho que em toda a sociedade a produção do discurso é simultaneamente controlada, selecionada, organizada e redistribuída por um certo número de procedimentos que têm por papel exorcizar-lhe os poderes e os perigos, refrear-lhe o acontecimento alcatório, disfarçar a sua pesada, temível materialidade”.

PROCEDIMENTOS DE EXCLUSÃO

 - Procedimentos exteriores de controle e delimitação do discurso:

O INTERDITO

Não se fala abertamente tudo o que se pensa, tudo o que se quer dizer. Tabu do objeto, ritual da circunstância, por exemplo: sexualidade e política. Neles o discurso pode aparentemente não ter nada além, mas o interdito revela o vínculo com o desejo e o poder. “O discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas é aquilo pelo qual e com o qual se luta, é o próprio poder de que procuramos assenhorear-nos”.

PARTILHA/SEPARAÇÃO E REJEIÇÃO

Razão e loucura. A palavra do louco ou é sem verdade ou é sem importância; não testemunha em justiça; “era por intermédio das suas palavras que se reconhecia a loucura do louco; essas palavras eram o lugar onde se exercia a partilha; mas nunca eram retidas ou escutadas”. No teatro, o louco representava a verdade mascarada.

VERDADEIRO E FALSO

No interior dos discursos, o que rege a verdade, a vontade do saber? Exemplo dos poetas gregos do século VI, “um século mais tarde, a maior das verdades já não estava naquilo que o discurso era ou naquilo que fazia, mas sim naquilo que o discurso dizia”. Hesíodo e Platão. “O discurso verdadeiro deixa de ser o discurso valioso e desejável, uma vez que o discurso verdadeiro já não é o discurso ligado ao discurso do poder. O sofista é encurralado”.   

Aparecimento de novas formas da vontade de verdade (do século VI para o século VII).

- Procedimentos internos de controle e delimitação do discurso:

ACONTECIMENTO E ACASO

OS COMENTÁRIOS: Partem de outros discursos já prontos, narrativas maiores, que se repetem e vão mudando. Textos religiosos ou jurídicos: “são ditos, ficam ditos e estão ainda por dizer. Também os textos científicos. Os comentários provocam desnível entre o primeiro texto e o segundo; “o comentário não tem outro papel senão o de dizer finalmente aquilo que estava silenciosamente articulado no primeiro texto”.

O AUTOR: No discurso científico, o autor indicava a verdade. Na Idade Média ele era indispensável.  No discurso literário, a partir do século XVIII, o autor faz a ficção, mas lhe é pedido que o revele a verdade, sua inserção no real. Ele inventa, mas o seu texto é real. (Legitima outros textos).

AS DISCIPLINAS: Métodos, conjunto de regras e definições; opõe-se ao princípio dos comentários e do autor. Para que haja disciplina é preciso que haja a possibilidade de formular novas proposições. A disciplina é um princípio de controle da produção do discurso.

Regras

RITUAL: Circulação dos discursos por um espaço fechado, onde pelo ritual é fixada a eficácia das palavras. “A aprendizagem dava acesso, ao mesmo tempo, a um grupo e a um segredo que a recitação manifestava, mas não divulgava; não se trocava papel entre a fala e a escuta”.

DOUTRINAS: “A doutrina liga os indivíduos a certos tipos de enunciação e interdita-lhes todos os outros”. Ao contrário da limitação da “sociedade dos discursos”, ela deve ser propagada.

APROPRIAÇÃO SOCIAL DOS DISCURSOS: “Todo sistema de educação é uma maneira de política de manter ou modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que estes trazem consigo”. Um sistema de ensino é uma ritualização da fala, qualificação e fixação dos papéis dos sujeitos falantes. A escrita é um sistema de sujeição semelhante. Também não o seriam os sistemas jurídico, da medicina,  e outros da mesma forma, ao menos em certos aspectos?

Jogos de limitação e exclusão.

 Temas filosóficos

“O discurso nada mais é do que o reflexo de uma verdade que está sempre a nascer diante dos seus olhos; e por fim, quando tudo pode tomar a forma do discurso, quando tudo se pode dizer e o discurso se pode dizer a propósito de tudo, é porque todas as coisas que manifestaram e ofereceram o seu sentido podem reentrar na interioridade silenciosa da consciência de si”. O discurso não passa de um jogo.

Princípio de inversão: Reconhecimento do jogo negativo de um recorte e de uma rarefação do discurso. 

Princípio de descontinuidade: Os discursos devem ser tratados como práticas descontínuas que se cruzam, que às vezes se justapõe, mas que também se ignoram ou se excluem.

Princípio de especificidade: É necessário conceber o discurso como uma violência que fazemos às coisas, em todo caso como uma prática que lhes impomos; e é nessa prática que os acontecimentos do discurso encontram o princípio da sua regularidade.

Regra da exterioridade: A partir do próprio discurso, do seu aparecimento e da sua regularidade, ir até as suas condições externas de possibilidade, até ao que dá lugar à série aleatória desses acontecimentos e que lhes fixa os limites.

Quatro noções de princípio regulador da análise:
·         A de acontecimento
·         A de série
·         A de regularidade
·         A de condição de possibilidade

Elas estão em oposição a:
·         O acontecimento à criação
·         A série à unidade
·         A regularidade à originalidade
·         A condição de possibilidade à significação 

O autor encerra revendo todo o conteúdo do curso a ser ministrado e fecha seu discurso com uma homenagem ao seu mestre, Jean Hyppolite, de quem ele gostaria que fosse aquela voz citada no início, que o ajudaria a continuar.

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Comentário sobre "Corpos Dóceis"

Um breve comentário sobre o texto Vigiar e Punir, de Michel Foucault, Parte III - Capítulo 1 - Os corpos dóceis: a exemplo do filme "Tempos Modernos", ainda existem empresas lidando assim com os seus "colaboradores", e observando a história, nota-se que o que antes era controlado e usado para a produção, agora é controlado e usado para o consumo.

A mídia faz o jogo de nos seduzir para nos amansar, tornando-nos assim dóceis e aptos a consumir o que ela nos oferece.
O discurso muda para se adaptar aos tempos modernos, sejam quais forem, mas o objetivo continua sempre o mesmo. Eles mandam, nós obedecemos. Que tal um pouco mais de consciência para pensar, reletir e agir sem tanta interferência?! Pense nos resultados, e boas compras...



Vigiar e Punir - Síntese do texto de M.Foucault

SÍNTESE DO TEXTO:
Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão – DE MICHEL FOUCAULT

Parte III, Capítulo 1 – Os corpos dóceis

O soldado, no início do século XVII: sinais naturais de seu vigor e coragem e as marcas de seu orgulho – o corpo como brasão de força e valentia; o porte da cabeça e a retórica corporal da honra. (p.131)

O soldado na segunda metade do século XVII: algo fabricado, de massa informe, corpo inapto; foi “expulso o camponês” e lhe foi dada a “fisionomia de soldado”. (p.132)

·         Descoberta do corpo como objeto e alvo do poder.

“O Homem-máquina”, de La Mettrie, foi escrito em dois registros (p. 132):

1.       Anátomo-metafísico, com as primeiras páginas escritas por Descartes, continuado por médicos e filósofos

2.       Técnico-político, conjunto de regulamentos militares, escolares, hospitalares e por processos empíricos e refletidos para controlar e corrigir as ações do corpo.

Teoria geral do adestramento: noção de docilidade, une ao corpo analisável o corpo manipulável. “É dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado” (p.132).

A escala do controle:

·         Manter o corpo ao nível mesmo da mecânica, poder sobre o corpo ativo

O objeto do controle:

·         A economia, a eficácia dos movimentos, sua organização interna; a coação se faz mais sobre os sinais; cerimônia do exercício.

A modalidade do controle:

·         coerção constante que vela sobre os processos da atividade mais que sobre seu resultado e se exerce de acordo com uma codificação que esquadrinha ao máximo o tempo, o espaço, os movimentos.

DISCIPLINAS: “métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõe uma relação de docilidade-utilidade” (p. 133).    

Processos disciplinares: convento, exército, oficinas. Avançam nos séculos XVII e XVIII.

Diferentes da escravidão: não impõe relação de posse, apropriação dos corpos

Diferentes da domesticidade: não é uma dominação constante, global ou maciça

Diferentes da vassalidade: não é uma relação de submissão altamente codificada

Diferente do ascentismo e das disciplinas do tipo monástico, que tem por função realizar renúncias mais do que aumentos de utilidade

·         O momento histórico das disciplinas é o momento onde nasce uma arte do corpo humano, que visa não unicamente o aumento das suas habilidades, nem tampouco  aprofundar sua sujeição, mas a formação de uma relação em que no mesmo mecanismo o torna tanto mais obediente quanto é mais útil, e inversamente (p.133).

Anatomia política   mecânica do poder: define como se pode ter domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente para que façam o que se quer, mas para que operem como se quer, com as técnicas, segundo a rapidez e a eficácia que se determina.

A disciplina fabrica assim corpos dóceis.

A disciplina dissocia o poder do corpo, faz dele por um lado uma aptidão, uma capacidade que ela procura aumentar, e inverte por outro lado a energia, a potência que poderia resultar disso, faz dela uma relação de sujeição escrita.   Se a exploração econômica separa a força e o produto do trabalho, digamos que a coerção disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma aptidão aumentada e uma dominação acentuada.

A disciplina é uma anatomia política do detalhe.

A importância do detalhe: citação da página 135

A arte das distribuições

1)      Cerca: local protegido da monotonia disciplinar; encerramento dos vagabundos e dos miseráveis. Entre eles: Colégios, com modelo de convento e internato como modelo de educação; Quartéis, conjunto cercado por muralhas para manter as tropas em ordem e disciplina.  Surgem as oficinas, indústrias e fábricas, desenvolvidas na segunda metade do século XVIII. As fábricas se assemelham aos conventos, fortaleza e cidade fechada. A situação dos operários é de total submissão o controle.

2)      Clausura: A segunda técnica aborda o principio de clausura como algo não constante, mas como princípio de localização imediata ou quadriculamento, em que cada indivíduo está em seu lugar, e em cada lugar há um indivíduo, tantas parcelas quantos forem os indivíduos, evitando-se assim o coletivo.  Desda forma controlar a cada instante, “vigiar o comportamento de cada um, apreciá-lo, sancioná-lo, medir as qualidades ou méritos. Procedimento portanto para conhecer, dominar e utilizar. A disciplina organiza m espaço analítico” (p. 138). Espaço celular, como a cela dos conventos.

3)      Regra das localizações funcionais: “Lugares determinados se definem para satisfazer não só à necessidade de vigiar, de romper as comunicações perigosas, mas também de criar um espaço útil” (p. 139). Exemplo: hospitais e portos, onde há vigilância que articula um espaço administrativo e político. Final do século XVIII, a situação das fábricas se complica com a necessidade de “ligar a distribuição dos corpos, a arrumação espacial do aparelho de produção e as diversas formas de atividade na distribuição dos postos” (p.140) no que se deve ainda vigiar de forma geral e individual.

4)      Elementos intercambiáveis: “o lugar que alguém ocupa numa classificação, o ponto em que se cruzam uma linha e uma coluna, o intervalo numa série de intervalos que se pode percorrer sucessivamente. A disciplina, arte de dispor em fila, e da técnica para a transformação dos arranjos. Ela individualiza os corpos por uma localização que não os implanta, mas os distribui e os faz circular numa rede de relações” (p. 140 e 141). Exemplo: as classes nos colégios jesuítas, a ordenação em fileiras (p. 141).  “A organização de um espaço serial foi uma das grandes modificações técnicas do ensino elementar. Permitiu ultrapassar o sistema tradicional” (p. 142). A reorganização de espaço permitiu ganhos na administração ou controle individual e ganho no tempo empregado nas atividades propostas. “ A sala de aula formaria um grande quadro único, com entradas múltiplas, sob o olhar cuidadosamente classificados do professor” (p. 142).

“A primeira das grandes operações da disciplina é então a constituição de quadros vivos que transformam as multidões confusas, inúteis ou perigosas em multiplicidades organizadas”... “o quadro, no século XVIII, é ao mesmo tempo uma técnica de poder e um processo de saber” (p. 143). Poder celular.

O controle da atividade

1)      O horário: processos de estabelecer as censuras, obrigadas a ocupações determinadas, regulamentar os ciclos de repetição. Logo surgiram nos colégios, hospitais e oficinas. Construção do tempo integralmente útil. “O tempo medido e pago deve ser também um tempo sem impureza nem defeito, um tempo de boa qualidade, e durante todo o seu transcurso o corpo deve ficar aplicado a seu exercício. A exatidão e a aplicação são, com a regularidade, as virtudes fundamentais do tempo disciplinar” (p. 145,147).

2)      A Elaboração temporal do ato: controle da marcha de uma tropa feita por duas maneiras – Começo do século XVII, pelo ritmo do tambor, em fila, começando com o pé direito; metade do século XVIII, em quatro tipos distintos de passos, com alto grau de precisão.

“Define-se uma espécie de esquema anátomo-cronológico do comportamento. O ato é decomposto em seus elementos; é definida a posição do corpo, dos membros, das articulações; para cada movimento é determinada uma direção, uma amplitude, uma duração; é prescrita sua ordem de sucessão. O tempo penetra o corpo, e com ele todos os controles minuciosos do poder” (p. 146).

3)      Donde o corpo e o gesto postos em correlação: além de ensinar gestos definidos, o controle disciplinar impõe a melhor entre um gesto e o corpo. O bom desempenho do corpo permite o bom uso do tempo. “Um corpo disciplinado é a base de um gesto eficiente” (p. 147).

4)      A articulação corpo-objeto: a disciplina define em detalhes cada relação entre corpo e objeto manipulado, a codificação instrumental do corpo. “A regulamentação imposta pelo poder é ao mesmo tempo a lei de construção da operação. E assim parece este caráter do poder disciplinar: tem uma função menos de retirada que de síntese, menos de extorsão do produto que de laço coercitivo com o aparelho de produção” (p. 148).

5)      A utilização exaustiva: “é proibido perder um tempo que é contado por Deus e pago pelos homens”... “o máximo de rapidez encontra o máximo de eficiência” (p. 148). Ensinava-se a rapidez como sendo uma virtude. Técnica de sujeição.



A organização das gêneses

Desenvolvimento de nova técnica para o uso do tempo. Exemplo de 04 processos utilizados no exército (p. 152):

1)      Dividir a organização em segmentos, sucessivos ou paralelos, dos quais cada um deve chegar a um termo específico.

2)      Organizar essas sequências segundo um esquema analítico – sucessão de elementos tão simples quanto possível, combinando-se segundo uma complexidade crescente.

3)      Finalizar estes segmentos temporais, fixar-lhes um termo marcado por uma prova, que tem a tríplice função de indicar se o indivíduo atingiu o nível estatutário, de garantir que sua aprendizagem está em conformidade com a dos outros, e diferenciar as capacidades de cada indivíduo.

4)      Estabelecer séries de séries, prescrever a cada um de acordo com o seu nível, antiguidade, posto, os exercícios que lhe convém.

Pouco a pouco a mesma prática disciplinar foi se aplicando na pedagogia, desenrolando programas específicos para cada fase, com a elaboração das classes em séries conforme cada nível. Gênese, progresso das sociedades e dos indivíduos.    

A composição das forças

Fim do século XVII: A unidade torna-se uma espécie de máquina de peças múltiplas que se deslocam em relação umas às outras para chegar a uma configuração e obter um resultado específico. As razões desta mudança são econômicas, dar a cada soldado um máximo de eficiência. Isso se deu a partir da invenção do fuzil. A unidade de base passa a ser o soldado móvel com o seu fuzil. “A disciplina não é mais simplesmente uma arte de repartir os corpos, de extrair e acumular o tempo deles, mas de compor forças para obter um aparelho eficiente” (p. 158).

1)      “O homem de tropa é antes de tudo um fragmento de espaço móvel, antes de ser uma coragem ou uma honra” (p. 158).

2)      Tempo composto: “o tempo de uns deve-se ajustar ao tempo de outros de maneira que se possa extrair a máxima quantidade de forças de cada um e combiná-la num resultado ótimo” (p. 158).  Ajustamento de cronologias diferentes.

3)      “É necessário e suficiente que provoque o comportamento desejado. Do mestre de disciplina àquele que lhe é sujeito, a relação é de sinalização: o que importa não é compreender a injunção, mas perceber o sinal, reagir logo a ele, de acordo com um código mais ou menos artificial estabelecido previamente” (p. 158, 159). Técnica do treinamento.

Quatro características da individualidade:

·         É celular (jogo da repartição espacial)

·         É orgânica (codificação das atividades)

·         É genética (acumulação do tempo)

·         É combinatória (composição das forças)

“Para realizar a combinação das forças, organiza táticas” (p. 161).

“A tática, arte de construir, com os corpos localizados, atividades codificadas e as aptidões formadas, aparelhos em que o produto das diferentes forças se encontra majorado por sua combinação calculada é sem dúvida a forma mais elevada da prática disciplinar” (p. 161).

“Se há uma série guerra-política que passa pela estratégia, há uma série exército-política que passa pela tática. É a estratégia que permite compreender a guerra como uma maneira de conduzir a guerra entre os Estados; é a tática que permite compreender o exército como um princípio para manter a ausência de guerra na sociedade civil” (162).  

“Dever-se-ia tornar a disciplina nacional [dizia Guibert]” (p. 162).

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domingo, 2 de outubro de 2011

Impetuous Winds



Para você fechar os olhos e libertar sua imaginação!








 
Solo de Guitarra - By Cebolinha (Ricardo Carreras)

T.G.

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1967: A mulher brasileira na revista Realidade - Artigo - Parte I

   


RESUMO
Algo inédito aconteceu na imprensa brasileira em janeiro de 67 quando a revista Realidade dedicou uma edição especialmente à mulher. Alvo de assuntos polêmicos, preconceitos e tabus, ela foi ouvida, revelou seus desejos e verdades, teve seu perfil traçado em mais de 140 páginas. A edição foi cassada pela censura militar, por meio do juizado de menores de São Paulo. O presente artigo relata estes e outros fatos marcantes em torno da edição 10 e trata da imprensa feminina no Brasil com citações de Heilborn, Mira e Lipovetsky.
 
Palavras-chave: censura; imprensa feminina; mulher; revista Realidade; tabus.
 
INTRODUÇÃO
  Este artigo trata especificamente da edição Nº 10 da revista Realidade, editada em Janeiro de 1967, pela Editora Abril, em território nacional. A edição inédita trazia ao público o resultado de uma pesquisa que tabulou mais de cem mil respostas dadas por 1200 mulheres entrevistadas com a finalidade de retratarem o perfil da mulher brasileira do final dos anos 60. Os assuntos abordados eram variados, indo desde religião e política até mercado de trabalho, passando pelo corpo feminino, a maternidade, o parto em si e questões como o que ela pensa e como age frente às decorrentes mudanças do seu tempo.
Apesar de ter conseguido um feito inédito no Brasil ao traçar o mapa da situação feminina da época, não agradou a todos. Entre críticas e opiniões contrárias, a Edição foi acusada pelo moralismo e conservadorismo da sociedade, que rejeitou a revista por publicar - segundo o seu julgamento - conteúdo considerado abusivo. Contudo, os leitores fiéis, interessados no posicionamento da revista, manifestaram seu apoio, como visto adiante.
Este estudo partiu do exemplar Nº 10, seguido da edição Nº 11 que apresentou os fatos da apreensão, da defesa da Editora Abril e dos comentários diversos dos leitores. Além da fonte primária, foram consultados autores como Faro e Maia; na segunda parte deste artigo, utilizou-se como fonte secundária autores que tratam da representação da mulher na mídia em geral, ressaltando a contribuição da revista Realidade para um jornalismo com função social.
EDIÇÃO Nº 10
A capa foi estrategicamente elaborada com a imagem de uma mulher jovem, de traços leves, numa foto em que ela é vista, ou evidenciada, por uma lente de aumento, dando a ideia de ampliação, ou seja, em foco representando a mulher em destaque. Abaixo da foto, em letras de cor em realce, vem o tema da edição especial: “A mulher brasileira, hoje”. E do lado esquerdo, os destaques daquela edição, na seguinte ordem:
  • Pesquisa – o que elas pensam e querem
  • Confissões de uma moça livre
  • Ciência: o corpo feminino
  • Eu me orgulho de ser mãe solteira
  • Por que a mulher é superior
  • Assista a um parto até o fim
Além de dedicar uma edição inteira a um tema específico, a revista Realidade inovou na editoração, pois em revistas de assuntos gerais não era comum a divulgação dos resultados de pesquisas, nem imagens como cenas de um parto, por exemplo, embora não fossem indiscretas, poderiam ser consideradas fortes por serem reais.


No índice da edição Nº 10 (página 05 da revista) estão as seguintes seções, com seu tema resumido aqui:

CAPA: síntese da edição 10 retratando a mulher brasileira em foco
PESQUISA: 1200 mulheres respondem mais de 100 mil perguntas – pág. 20
POLÊMICA: a superioridade natural da mulher – pág. 30
CIÊNCIA: anatomia do corpo feminino – pág. 36
ENSAIO: o amor materno – pág. 46
RELIGIÃO: freiras que atuam para a salvação de todos – pág. 52
GENTE: parteira mostra na prática detalhes sobre o seu ofício – pág. 68
DOCUMENTO: jovem atriz fala tudo o que pensa sobre sexo – pág. 76
PSICOLOGIA: o desengano dos consultórios sentimentais – pág. 82
PERFIL: dona Olga, mãe-de-santo e seus 66 filhos – pág. 88
PROBLEMA: o desfecho de três histórias sobre mulheres desquitadas – pág. 100
ECONOMIA: Ela é o diretor da indústria moderna – pág. 110
DEPOIMENTO: carioca confessa ser mãe solteira, com muito orgulho – pág.116

 
A escolha dos assuntos também pode ser considerada uma provocação para os conceitos da época. Maia (1986) analisa a dificuldade deste pioneirismo em ser a primeira revista no país a tratar assuntos tabus: “logo na décima edição ficou claro que fazer jornalismo abordando temas de comportamento em 1967 era mais que um desafio, era um confronto com o conservadorismo da sociedade brasileira”.
E não agradou a todos, embora a revista tenha mudado a cara do Brasil, na opinião de Maia (1986), estabelecendo a “geração Realidade”, como conhecida nos anos 70. A autora avalia seus efeitos da seguinte forma: “O Brasil de 60 é irreconhecível hoje (anos 80), deu um salto em abertura intelectual, em abertura de informações” (MAIA, 1986).
 
CENSURA: ACUSAÇÃO E DEFESA
Desde o golpe militar, que impôs o militarismo no poder em 1964, houve no Brasil certa interferência em todos os setores. A censura propriamente dita foi instaurada no Brasil numa sexta-feira 13 de dezembro de 1968, com o decreto do Ato Institucional número 5 – o AI5 (AI-5: entre outras regras divulgadas em documentos oficiais, determinava: "censura prévia aos veículos de comunicação que não se alinhassem á ordem preconizada pelo regime militar). A partir daí todos os veículos de comunicação passavam a ter seu trabalho constantemente vigiado. Mesmo antes do AI5, o que se via eram perseguições cada vez mais intensas contra políticos, estudantes, artistas, jornalistas e veículos de comunicação. Algumas atitudes se deram de forma repentina, sem chance de defesa dos acusados, como o que aconteceu na edição especial da revista Realidade.     

Somente na edição seguinte, Nº 11, o leitor compreendeu o que havia acontecido com a edição Nº 10, ou seja, que por meio uma denúncia, de autoria desconhecida, a revista Realidade foi apreendida em São Paulo - por determinação do Juizado de Menores, na alegação de que nela havia conteúdo considerado “abusivo”, “obsceno”, e em alguns casos “ofensivo à dignidade e à honra da mulher” (Realidade, Editorial, 1967: 06).

Contudo, não foi apresentada pela acusação em São Paulo qual exatamente seria a reportagem ofensiva, ou imagem que tivesse causado tanto constrangimento ao público. Isso foi usado como argumento na defesa que detalhou passo a passo cada uma das seções e seu real conteúdo, revelando que as intenções se davam em torno da informação, do construtivo, da educação. No texto oficial de defesa que a própria revista publicou na edição Nº 11, página 06, consta a definição por dicionário das palavras citadas pela acusação, como obsceno e seus sinônimos: “sensual, torpe, impudico; e comparando a sinonímia entre desonesto e obsceno, declara que este vocábulo é muito mais forte do que o primeiro, porque a sua particular energia é significar o que é sujo, imundo, sórdido, torpe, etc” (Realidade, Editorial, 1967: 06). Isso tudo para comparar os termos: “obsceno” com “ofensivo à dignidade da mulher” como sendo questão de conceito e não de fato.

Já na acusação do Juizado de Menores do Estado do Rio de Janeiro, que ocorreu 24 horas após a determinação em São Paulo, o texto do despacho afirma que a revista vinha “fugindo aos propósitos comuns de periodismo no Brasil – informar corretamente, divulgar as coisas e ideias dentro do panorama dos nossos costumes, aceitando ou combatendo moderadamente os nossos hábitos e as nossas tradições – resolveu bem ao contrário encetar uma campanha e realizar uma verdadeira revolução radical no terreno da moral familiar” (Realidade, Editorial, 1967: 07).

E mais uma vez a acusação assume o valor da revista Realidade como mídia formadora de opinião, citando-a como “moderna, tecnicamente bem feita, procura apoiar suas reportagens em pesquisas e levantamentos” (Realidade, Editorial, 1967: 07). Porém, logo em seguida afirma que Realidade não apenas apresenta os dados, mas “defende teses, promove campanha aberta e dissimulada” (Realidade, Editorial, 1967: 07) e prossegue enumerando as seções atribuindo a elas as mesmas acusações já citadas. Na defesa, o argumento principal é um exame das seções, e novamente o jogo de palavras que procura esclarecer o real sentido de obsceno, moral e subjetividade. O posicionamento da revista Realidade sempre foi o de tocar nestes pontos a fim de trazer uma visão realista, como definem seus editores:

Desde nosso primeiro número, em abril de 1966, manifestamos a opinião de que a única maneira de resolver problemas é enfrentá-los. E nos meses que se seguiram, a jovem equipe que faz esta revista procurou não perder de vista as dúvidas e problemas que são continuamente levantados, ponderados e debatidos no Brasil inteiro. A recepção foi entusiástica: em apenas seis meses, REALIDADE alcançou a maior tiragem do país, com 475.000 exemplares e mais de um milhão e meio de leitores por edição. (...) Assim, embora pretendamos continuar debatendo os grandes problemas nacionais, devemos supor que – de repente – não mais vão aparecer moças menores e grávidas diante dos juízes de Menores. Que a esmagadora maioria das jovens chega virgem ao casamento. Que mulheres casadas jamais apelam para a interrupção intencional da gravidez. Que há unanimidade da opinião pública a favor do desquite como melhor solução para um casal que vive sem amor. E que – enfim – todos estes problemas só voltariam a existir se e quando fossem novamente levantados por REALIDADE (Edição n. 11, 1967).

Conforme relata Faro (1999), apenas algumas edições depois, Realidade retomaria ao tema, porém desta vez de forma menos explícita: “Realidade voltaria indiretamente à temática dos novos valores femininos nem bem havia assentado a poeira levantada com a apreensão do número de janeiro de 1967” (FARO, 1999:134). Desta vez, em junho de 1967, foi publicada uma reportagem de cunho científico sobre o parto. De forma indireta, citou valores educacionais relacionados à educação sexual feminina.     

PRECONCEITOS E INTERESSES
 
Não se sabe ao certo se a censura teve cunho moralista ou político, não se afirma exatamente quem sairia ganhando com a cassação da Realidade. Fato é que demonstrar sua indignação nas edições seguintes foi uma tarefa necessária, que contou com a inteligência e sutileza de seus repórteres além dos convidados especiais que souberam aproveitar o ensejo para replicar o posicionamento da revista.

Na edição número 11 a jornalista e psicóloga Carmem da Silva (Em 1967, escrevia para a Editora Abril, na REvista cláudia, seção "Consultório Sentimentoal) escreve para a seção “Problema”, abordando a razão dos preconceitos. De forma sutil e inteligente, ela começa falando de filosofia, mostra os preconceitos violentos sofridos por Sócrates, Galileu, e os preconceitos fanatizados de Hitler e Goebbels. Sobre a maioria, o preconceito e o interesse de alguns. Segundo Carmem da Silva: “para afirmar um preconceito é preciso cercá-lo de um ar sagrado, que torne sacrílegas a análise e a discussão em termos racionais” (edição 11, 1967:27). Silva explica aos leitores da revista Realidade que há por trás de todo preconceito interesses em se deixar determinada situação como ela é, isso por que estas pessoas são favorecidas pelo sistema vigente nas atuais condições:

Talvez tivessem uma ou outra restrição miúda a fazer, mas preferem não modificar nada porque uma mudança traz outra, a evolução age em cadeia e ao alterar esta ou aquela faceta adversa, correriam o risco de vir a perder tudo o que lhes é propício. O imobilismo fica sendo, assim, a posição mais segura: a ela se apegam com unhas e dentes, a ela tratam de atrair o maior número possível de adeptos. O resultado é a recusa sistemática em examinar os dados objetivos da realidade: querendo-a estratificada, coagulada, pétrea, negam seu caráter essencialmente fluído e opõem-se a qualquer tentativa de dinamizar e aperfeiçoar as instituições existentes (edição 11, 1967:29).
Silva (1967) cita em seu texto “Preconceito: o bicho-papão” o aborto, as inscrições de prostitutas na polícia, as doenças venéreas que aumentam nos homens, desquites, homossexualidade. Assuntos polêmicos, que desta vez não foram censurados. Talvez porque ela elucida estas questões como sendo necessárias: porém sem “tornar válido o erro, nem codificar o mal, mas sim equacionar os problemas com realismo, sem perder a perspectiva do bem estar coletivo e da virtude socrática, associada à verdade e ao conhecimento” (Edição 11, 1967:29).

Na parte final do seu texto, Silva (1967) comenta sobre a família, suas origens e conclui citando em tom irônico o sexo como sendo assunto – na opinião de uns e outros – indevido às crianças, pois elas inda não têm maturidade para compreender estes fatos; como se outros assuntos, como política ou o noticiário bélico fossem temas dirigidos a elas, ou seja, nada na revista Realidade era escrito propriamente aos menores, embora haja relatos de pais que liam junto com seus filhos no intuito de compartilhar educação sexual. Nas entrelinhas, um convite a refletir sobre atos preconceituosos e hipocrisias. Para Silva (1967), os responsáveis devem manter o controle sobre tudo ao que as crianças têm acesso: 

Cabe aos pais não deixar ao alcance dos filhos o que possa impressioná-los desfavoravelmente ou lhes ferir a inocência. Sem dúvida a sociedade deve substituir os pais junto aos órfãos e desamparados. De qualquer forma, se proibirmos aos adultos, tudo o que for impróprio para crianças, acabará não havendo mais crianças – o que é uma pena (edição 11,1967:29).

Na edição seguinte àquela apreendida, onde o foco era a mulher, pouco se tratou de assuntos polêmicos. Os demais foram neutros, como: futebol, astronautas, músicas do carnaval, igreja católica na Holanda, e outros que não davam margem a tantas críticas. As edições seguintes continuaram com a mesma tiragem, superando cada vez mais o número de exemplares vendidos tendo em apenas 06 meses atingido a maior marca de vendas e praticamente dobrando seus números nos próximos 06 meses.  Mas e quanto à opinião do leitor?

CARTAS DO LEITOR

Como resposta ao ato de censura que apreendeu a edição 10, alguns leitores enviaram à Redação cartas com palavras diversificadas, tanto de apoio como contrárias. Seguem resumidamente os relatos encontrados na edição 11 entre as páginas 10 e 14:

- A revista Realidade está semeando a prostituição; o povo saberá separar o joio do trigo.
Estão vendendo pornografia.

- O “meio conhecimento” em educação sexual é o perigo. Leio a revista Realidade com os meus filhos.

- Incentivo para que a revista Realidade continue abordando qualquer assunto.

- Estabelecer o diálogo é importantíssimo na educação sexual da juventude.

- A revista Realidade vem despertar o pensamento dos brasileiros, avanço considerável dentro da estrutura arcaica em que vivemos.

- Homens que consideram a maneira como vieram ao mundo coisa obscena, não devem sentir respeito por nenhuma mulher.

- A campanha que ora se faz contra essa revista não tem sentido, o que ela nos conta é apenas a realidade.

- Pessoas ignorantes e preguiçosas são as que criticam a revista Realidade, pois se quer a leem ou não a entendem.

- Antes o Juizado de Menores tentasse recolher os “livrinhos obscenos” que circulam por aí.


- Será que a verdade ofendeu aos falsos moralistas?

- Quem é mais digna: a mulher que faz de tudo para criar seu filho ou a que o abandona para manter as aparências?

- Onde está o raciocínio equilibrado ?

- A mãe solteira e a atriz agiram como sentiam que deviam agir. Nem por isso vou fazer a mesma coisa. Precisamos de indulgência para progredir.

- Renovamos nosso protesto diante de atitude tão falsa e hipócrita das autoridades que presidiram tal ato.

- Lamentamos as arbitrariedades que vem se realizando quase sem chances de reação.

- Se existem pessoas de mentalidade tão atrasada, elas em absoluto não representam a maioria.

- Voto de solidariedade da Associação Brasileira de Agências de Propaganda de São Paulo.
Tudo o que é realidade deve ser exposto e discutido.

- A foto tirada pela primeira vez carregando os eu filhinho é de uma força de expressão formidável.


 Uma hipótese para o fato da edição 10 ter sido cassada é o fato de ter a mulher brasileira em foco. O final da década de 1960 era uma época de mudanças de padrões de comportamentos e em sua maioria afetava ou dizia respeito à mulher como a liberação sexual que se deu após o surgimento da pílula anticoncepcional, o aborto, a entrada no mercado de trabalho, a situação da mulher após o divórcio ou a virgindade antes do casamento. Assuntos polêmicos onde ela era o alvo das atenções. Por este torna interessante uma pausa para se rever brevemente algo sobre o gênero feminino na sociedade e na mídia.
OBS: Continua no post a seguir, com conclusão e bibliografia.