Este post é a parte final da dissertação "Revista Realidade - Representações da sociedade na mídia impressa brasileira em 1966/1967 - tempos de transformações políticas e socioculturais"
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo aqui
apresentado partiu de duas vertentes: a primeira delas analisando o produto
revista, em sua forma de se comunicar com o publico leitor (viés jornalístico)
e a segunda analisando o público leitor em relação à sua receptividade (viés
social).
Como
características principais do produto, foi possível concluir que a revista Realidade abordava temas
polêmicos, desvendava tabus, utilizava-se de uma linguagem própria e
diferenciada no trato de assuntos de interesse dos leitores. Estes, por
vivenciarem um período de mudanças em termos tecnológicos e comportamentais, interessavam-se
por temas como política, religião, comportamento, a liberação sexual, os
debates sobre questões como desquite, aborto, preconceito racial e tantos outros
que permeavam a sua época.
Uma das diferenças entre a forma de
abordar os mesmos assuntos de outras revistas era procurar o periférico dos
temas obrigatórios. Enquanto a imprensa em geral noticiava um fato, Realidade
buscava outros pontos de vista, como no caso citado dos artistas em que o foco
de uma entrevista ia além do trivial, entrando em campos mais específicos.
Outro ponto relevante era a escolha dos locais, buscando personagens
desconhecidos em lugares distantes das grandes capitais como São Paulo e Rio de
Janeiro, abarcando, assim, cidades do interior, indo de Norte a Sul do país. O
fato de não ter um tempo determinado para a produção das reportagens dava maior
liberdade para que o repórter pesquisasse e observasse os fatos até encontrar o
que precisava para criar um texto diferenciado. A especialização dos seus
repórteres vinha dessa liberdade criativa e da dedicação individual com que
cada um se empenhava na missão de produzir algo inédito. O texto somava-se à
qualidade das fotografias integradas um com o outro, formando uma unidade que
também se caracteriza como um dos pontos fortes da revista.
Alguns dos temas eram tão atuais ou revolucionários, que até para os
dias de hoje são pauta nos principais meios de comunicação, como os problemas
de ordem nacional, por exemplo. Já as questões de ordem sociocultural, causaram
muita polêmica, comentadas nas cartas dos leitores ou mesmo nas apreensões e
ameaças pelas quais a revista passou. Alguns desses temas hoje contam com um
comportamento social oposto daquela época, e provavelmente a mudança teve
influência de veículos de informação como a revista Realidade, que colocava em
pauta os assuntos para provocar reflexão no seu público leitor.
Fatos que nos levam a concluir o quanto a revista Realidade - por meio
do trabalho dos seus editores, fotógrafos e repórteres - levou de contribuição
jornalística à sociedade brasileira no final dos anos 1960, propondo discussões
e reflexões em torno de questões polêmicas, preconceitos e tabus, apresentando
seu ponto de vista sobre determinado assunto.
Por ter rompido alguns paradigmas, especialmente na forma de produzir e
editar seus textos, no espaço aberto aos leitores e na forma como se comunicava
com ele por seus editoriais, muitas vezes justificando alguma ordem política,
nos passam a impressão de uma sociedade em movimento, receptiva a um veículo de
imprensa inovador, audacioso no tocante aos assuntos específicos e pertinentes
à sua época. Provavelmente até esgotados, de tão mencionados.
E como visto, embora fosse um sucesso grandioso em todo país, não agradou
a todos, especialmente a uma ala da sociedade mais conservadora, ou de influência
institucional, seja religiosa, familiar ou mesmo política, mas, em geral, o
número crescente de vendas legitimava o seu discurso e a fez continuar até que
os motivos de força política a fizessem se descaracterizar, deixando de ser o que
era originalmente, perdendo seu time de repórteres, e finalmente encerrando sua
primeira fase, no qual se baseou esse estudo.
Por fim, concluímos que a revista Realidade influenciou uma geração na
sua prática sociocultural e continua a inspirar estudos que não se esgotam por
ser um material rico em elementos que sempre despertam a atenção daqueles que
procuram compreender mais sobre comunicação social.
Esperamos que este estudo tenha atendido ao apelo dos ex repórteres da
revista, José Carlos Marão e José Hamilton Ribeiro, que comentaram sobre a
falta de pesquisas sobre a sua importância como influência nas mudanças
culturais ocorridas naquele período. Neles, e demais repórteres da revista
Realidade, foi inspirado esse estudo, pois o que somos hoje veio das referências
do passado. A atitude, a escolha e a ousadia daqueles repórteres produziram
algo que definitivamente abriu passagem para um novo tempo.