Assim que soube do espetáculo
Crazy For You, logo imaginei se tratar de uma das produções dos inúmeros shows da Broadway, exportados por
todo mundo. O nome pareceu familiar, e de fato era. O motivo para a reprodução em tantos outros países tem sua razão, pois em geral os espetáculos de lá unem bom texto, cenários versáteis, alguns até
luxuosos, figurino criativo e com solução para tudo, como por exemplo, adaptar
aos palcos cenas que no cinema devem ter
sido bastante complicadas, como a viagem de um ônibus pelo deserto da
Austrália, em Priscilla, a Rainha do deserto e a selva do Rei Leão.
Sem falar dos excelentes atores,
que cantam, dançam e interpretam com a mesma sincronia, no sentido de facilidade
em cada uma das três artes. Este é o maior diferencial que destaca os musicais
da Broadway para algumas das adaptações brasileiras.
Dos poucos espetáculos que pude
assistir aqui no Brasil, os melhores em qualidade técnica foram os compostos
por um elenco quase anônimo aos telespectadores da Globo. São artistas
dedicados ao tripé interpretação, dança e canto, que acabam por superar os
nomes famosos que, nas telas, de cinema ou televisão, fazem algo igualmente bom,
mas de outra forma, com linguagem própria de cada veículo.
É nessa comparação que se nota a
importância do teatro para o público, ao conferir o trabalho dos artistas ao
vivo, lidando com imprevistos em cena, com alguma dificuldade técnica,
ambiental ou física, superando por vezes aquilo que nem imaginamos, contudo de
uma forma tão sutil que nos parece muito fácil o que fazem. Não temos ideia do
que passam para nos apresentar o seu melhor. Não tenho dúvidas da dedicação e
da intensidade com que, a cada show, a missão dada é cumprida.
E incidentes acontecem, na
maioria das vezes sendo perfeitamente perdoáveis, mas em certos casos fica
estranho que se coloquem a fazer algo que vai um pouco além das suas competências.
Mas no nome ajuda, e como! Fui
atraída ao espetáculo produzido por Claudia Raia pela experiência anterior em
outros dois shows que considerei sensacionais: Nas raias da loucura e Não fuja
da Raia. Apenas pelo nome dela e por se tratar de um musical da Broadway embarquei
nessa última aventura, animada para me divertir num grande show.
Desde o início pude notar algumas
características que não me passaram pela mente quando soube do espetáculo e
quis assistir. Por exemplo: Claudia não é exatamente a estrela que mais brilha,
embora sendo o grande nome para a publicidade.
Jarbas Homem de Mello é o astro do espetáculo.
Sua atuação é simples, mas conta com o texto divertido, leve e com algumas
surpresas que logo nas primeiras cenas se mostra como um musical da Broadway. Canta, dança, atua com graça e elegância,
fazendo uma comédia do tipo pastelão, contudo sem tantos exageros.
As melhores cenas, sem dúvida,
são dele. O toque especial fica por conta daquelas em que ele, Bob Child, se passa por um empresário do meio artístico,
Bella Zangler, e engana Polly, que se
apaixona pelo imitado, e não pelo imitador. Acontece que o original também
chega ao local, e os dois se encontram, mas estão de porre, não percebendo a
dualidade enquanto brindam ao amor não correspondido; situação vivida por ambos
naquele momento. Na minha opinião, este é o ponto alto da peça, o que se nota
pela reação do público, demonstrando curtir com muita diversão em risadas
espontâneas. Foi gostoso de se ver.
Apesar disso, percebi uma outra reação para o
lado negativo. Se o texto é bom, tem as suas disparidades. Ao menos um
palavrão fez a plateia sussurrar de espanto. Feio e dispensável, ainda mais por
se dirigir à Polly, personagem de Claudia Raia.
O mesmo para o figurino. Sua caracterização era pesada,
estava mais para mulher-macho do que para mulher-vaqueira, como acredito que
era o proposto. Com um ar mais caipira do que masculinizado, poderia ter ficado
mais interessante. Mas é só a minha opinião!
A voz de Claudia tem suas qualidades, mas nesse caso ficou demais anasalada,
o que para certas canções o solo não seria o mais indicado. Ela canta sozinha diversas músicas, e tão constrangedor quanto ao tipo de voz foi ouvir o som nasal desafinar em
diversas notas.
Jarbas fez o mesmo, porém com menor regularidade. Custei a
acreditar, procurando inclusive achar um sobre tom, uma dissonância, mas a
desafinação era clara aos ouvidos que também puderam notar os comentários e
risinhos do casal ao lado. E olha que eles nem pareciam ter ouvido apurado para
música... talvez nem fossem, mas a evidência era tanta que provavelmente qualquer um pudesse notar! Digo isso pois aos 6 anos de idade eu já
tocava sem partitura, reproduzindo uma melodia apenas pelo instinto musical. O
desafinado, portanto, é facilmente notado e incomoda demais.
Algumas falhas técnicas também
deixaram sua marca no show. Uma parte do cenário trombou com a outra, causando
reação no público que soltou um ligeiro “ai”... quando as partes bem ao centro
do palco tiveram que esperar alguns segundos, até a maquinaria fazê-las voltar
para as laterais e novamente buscar o encaixe. Numa outra cena havia um número
de dança do lado direito, com os astros principais, porém um foco de luz estava
sobre um personagem, do lado esquerdo do palco, tirando a atenção da parte
principal da cena. Logo se apagou, evidenciando a falha.
Uma das funcionárias da casa,
creio eu ser da produção, fez uma entrada bastante indiscreta, logo na última
cena, na parte superior do teatro, onde fica a maquinaria e a iluminação. Não é perto do palco, mas os menos privilegiados que pagam o menor preço de ingresso ficam numa localização onde é possível ver esta parte do staff. Foi o meu caso! Ela
estava com um celular ou algo assim na não, emitindo uma luz forte o suficiente
para que eu ficasse algum tempo olhando para o alto, e não para o palco. Ela
poderia se jogar, ou cair, fiquei de olho no lance, mesmo perdendo a única cena
glamourosa do show.
Não houve distribuição de um
folder, contendo as informações técnicas. Isso pareceu uma economia muito pobre
para um espetáculo daquele porte. Também não busquei para citar aqui, embora
deveria. Também quis fazer uma pobre economia do meu tempo, já que nem mesmo em
teatros pequenos, como os da Roosevelt, nunca saí sem esse informativo.
Especialmente pela falta de qualidade
vocal dos atores principais, senti tamanha aflição a ponto de esperar ansiosa
pelo fim do espetáculo - e quando ele chegou deu vontade de continuar. Enfim, Cláudia
surge num vestido lindíssimo, dançando lindamente com Jarbas, com o coro de
vozes do elenco numa bela apresentação. Dessa vez sem afinados, mostrando que o
problema estava nos solos, apenas.
Talvez estejamos tão acostumados
à delicadeza e sensualidade dela como atriz, que vê-la em todas as cenas
anteriores com roupas estranhas, cores pesadas, ao estilo velho oeste
americano, sempre falando grosso e em tom encrenqueiro, até mesmo ameaçando
lutar fisicamente com outros personagens, tivesse carregado demais a trama por
tanto tempo que cansou o público. Demorou muito para ela surgir como a preferimos
- linda, feliz e flutuante nos braços do galã do espetáculo. Digo no plural, pois foi este o sentimento
manifestado pelos demais espectadores que comentaram o mesmo que achei: demorou
demais para ficar bom, então acabou.
Como sou fã da atriz, e dos
espetáculos da Broadway, fica difícil criticar da forma que fiz, não é o tipo de observação que faço com frequência e certamente não sou gabaritada para tanto, mesmo assim
precisava registrar minha indignação pela escolha feita por ela, sendo que sua
voz não combina em nada com aquele tipo de musical. Tiro o chapéu para as
produções anteriores, feitas para ela, que arrasaram, porém ressalto que esta
não agradou. Tinha que ser feito por outra atriz (com voz boa, limpa e afinada), o que, imagino eu, agradaria muito
mais a plateia, pois o espetáculo em si é muito bom.
E como nome é nome, espero que a
casa continue cheia, lotada como ontem, e que ela continue nos encantando,
assim como fez na última cena.
Aos curiosos, fica a recomendação, especialmente
para os que não têm um ouvido apurado e adoram aplaudir de pé, mesmo quando não vale este gesto que significa uma honra para um espetáculo acima da média. Brasileiros gostam de aplaudir com tudo, fiquei em pé também, mas para sair logo do teatro e para não me afogar entre tantos claps-claps. Aviso que na Broadway não é assim, só se aplaude em pé em casos raros. Não levantamos nem para Mamma Mia, e olha que adorei o espetáculo, tanto que até chorei no final, tamanha emoção de ter realizado um sonho antigo, mas intenso de estar ali, na rua 42, parecendo gente importante! Curti tanto que preciso voltar...
Desse jeito me sinto obrigada a viajar
novamente a Nova York para me recuperar do trauma e cultivar bons hábitos culturais! Me aguardem, 42 St e região, embora viva muito feliz em São Paulo, uma cidade com tantas opções que não deixa nada a desejar aos melhores centros culturais do mundo, segundo dizem. É só acertarem, literalmente, o tom dos musicais, rs!
BROADWAY: ADORO!!!
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