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quarta-feira, 29 de abril de 2015

Lembranças e Provocações

Estamos só no mês de abril, e 2015 já ficou marcado pelas perdas recentes na área da cultura e do entretenimento. 

Mas o que perdemos foi o fator humano, nas pessoas de José Rico, Maria Della Costa, Roberto Talma, Inezita Barroso (aos 90 anos), e ontem foi a vez de Antonio Abujanra (83 anos). Eles se foram, mas não a sua obra, que os eterniza como sendo o nosso legado, sua contribuição para a cultura nacional. 

O último dessa pequena lista, pois ela ainda é maior, tinha um programa na TV Cultura cujo nome me chamou bastante a atenção assim que soube, há mais de 10 anos: "Provocações". A cada semana um convidado, famoso na mídia ou nenhum pouco, sentava-se do outro lado da mesa do entrevistador, que desafiava o entrevistado com perguntas sobre sua vida, seu trabalho ou obra, e abria um leque de questões gerais - sempre as mesmas - o que me fazia comparar a resposta de cada um deles para a mesma pergunta. Provocações do tipo: "qual a sua maior transgressão já cometida, diga-nos, ou vamos imaginar algo muito pior..."! Alguns ficavam visivelmente surpresos e constrangidos, numa curta saia-justa, outros riam ou simplesmente confessavam seus pecados, dividindo com o público histórias inéditas. Ou: "o que é a vida..."? Perguntava uma vez. Fosse qual fosse a resposta do entrevistado, logo em seguida ele a ignorava e voltava a perguntar: "...fuano, o que é a vida..."? 

Surpresos, alguns mantinham a resposta anterior, outros melhoravam um pouco a sua ideia resumida de vida, ou ainda diziam o posto da resposta dada. Não importava quem estivesse ali, sentado à sua frente, a conversa fluia de forma aberta, franca, algumas vezes dando a última palavra ao convidado para olhar na lente da câmera, como se fosse o seu espelho, e pudesse dizer ao mundo, uma vez apenas, tudo o que ele gostaria de dizer, uma espécie de recado à humanidade, embora pudesse não resultar em nada. Vinham frases, opiniões, conselhos diversos, e enfim, especilamente nos programas dos últimos anos, ele chamava o convidado para um abraço e uma foto. Dizia ele: "vem cá me dar um abraço, que é a única coisa falsa deste programa...vamos tirar uma foto que não vai aparecer em lugar algum, a não ser que você ou eu morra logo depois do programa, aí sim a imprensa vai noticiar como o último registro seu em vida...". 

Eu achava essa parte excelente, pois ele abraçava mesmo e posava para a foto tão gentilmente, como se estivesse profetizando o fim, mas no fundo acho eu que era uma forma de ironizar a imprensa que sempre faz isso, inclusive já deixa preparado um dossiê sobre aquela pessoa importante que está velhinha, internada, e a qualquer momento protagonizará seu último evento: o de morte. É estranho, mas é assim que a mídia faz! No caso dele, creio que a foto e o comentário, no fundo, era para um álbum pessoal, em que ele registrava sua própria história, recebia pessoas importantes mesmo que a sociedade não as conhecesse. Vi no programa pessoas de diversas áreas de atuação profissional, músicos e atores desconhecidos pelo grande público, pessoas atuantes na área social, escritores, autores de teatro, pessoas das antigas, que vinham para tirar do baú grandes histórias e militantes políticos, pessoas que lutaram contra a ditadura e agora podiam falar tudo para a nova geração. 

Agora vejo, por meio deste singelo balanço do programa Provocações, o quanto pude adquirir de novos conceitos, opiniões e conhecimentos que se juntaram a minha pequena bagagem cultural. E que pena reparar que são poucas programações assim, que de fato contribuem com o telespectador, que o fazem pensar em temas incomuns, como por exemplo quando ele perguntava, a muitos entrevistados: "Quem mais fez mal à humanidade: a igreja ou os bancos"? Já parou para pensar na forte influência que estas instituições exercem sobre nós até hoje? E por último, vinha a pergunta que ninguém parecia apreciar responder, quiçá por nunca ter parado antes para pensar no assunto: "Como você gostaria de morrer, seria no hospital, com aqueles tubos e fios no nariz..."? Ente tantas respostas que ele ouviu, acabou de certa forma atraindo para si a morte em sua casa, de forma repentina, num ataque cardíaco fulminante, o que nos dá a impressão de ter sido algo rápido, embora não seja possível imaginar se doeu, ou o quanto, se foi dormindo e sem tanto sofrimento. De toda forma, fica a lembrança de uma vida repleta de bons momentos para a cultura brasileira, do filósofo e jornalista que tão bem desenvolveu diversos ofícios - aliás, ele é lembrado como ator sendo que começou a carreira aos 55 anos de idade - e conseguiu deixar sua marca na história artística do país. 

E assim como o programa "Viola, minha viola", de Inezita Barroso, que a TV Cultura continua reprisando, outras emissoras públicas já passavam programas mais antigos de Abujanra, como a TV Brasil (63.1, da TV aberta) e o canal Multicultura (2.3 da TV aberta). Espero que continuem, assim, quem ainda não tinha descoberto a riqueza deste eterno provocador, poderá procurar (também nos canais de vídeo e no site da TV Cultura) as aparições marcantes deste que partiu ontem, mas deixou um legado cultural de inestimável valor: provocações a se refletir, por isso a sua falta, ao menos para mim, será tão sentida. 
Meus sentimentos à família e amigos, e que as boas lembranças nos ocupem as emoções neste momento. 


E que venham outros pensadores a nos provocar!!!   










Foto: internet

Talita Godoy
29/04/2015


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