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sexta-feira, 15 de julho de 2011

Jornalismo com Função Social na Revista Realidade (1/3)


Revista Realidade 1967:
Jornalismo com Função Social *
 

RESUMO DO ARTIGO

     No final da década de 1960, um dos veículos de comunicação chamou a atenção do público leitor por sua ousadia em tratar assuntos polêmicos, preconceituosos e tabus de forma direta e profunda. Em janeiro de 1967, a revista Realidade colocou a mulher brasileira em foco e teve sua edição cassada pela censura militar e moralista. Mas com o recurso do jornalismo literário ainda teve fôlego para resistir e sobreviver por mais algum tempo, levando seu compromisso de exercer um jornalismo com função social e futuramente servir como repositório de memória. Este artigo visa relembrar a importância da revista Realidade para as mudanças sócio-culturais de uma época específica.

Palavras-chave: Realidade; censura; memória; jornalismo; função social.
 
INTRODUÇÃO

    
     A revista Realidade foi lançada pela Editora Abril, no mês de abril de 1966. Teve uma vida de 10 anos, sendo que nos dois primeiros anos de existência, criou e estabeleceu um estilo próprio e diferenciado das publicações da mesma época.


Usava como uma das estratégias principais o Jornalismo Literário, estilo de origem americana, conhecido como New Journalism, técnica que se utilizava dos recursos literários para escrever com profundo Realismo, ou seja, de forma a aproximar o leitor da verdade, do real, de forma inovadora. Proporcionava ao leitor a sensação de ler uma obra de ficção, embora fosse realidade e, por se aproximar de um estilo artístico, levava mais tempo do que os textos comuns, sendo mais elaborado e escrito por poucos profissionais.


Um dos propósitos da revista Realidade era abordar temas que quase não eram tratados em outras publicações, e que quando isso acontecia, se dava com pouca ênfase, talvez apenas para cumprir certa “obrigação”, e não pelo interesse genuíno de se fazer uma pesquisa mais a fundo revelando o que pensava e o que sentia a população brasileira a respeito de tais assuntos. Realidade se aprofundava em suas pautas. Algumas reportagens levavam semanas, e até meses para ser concluídas. Faro (1999) relata que para os padrões da época a revista Realidade trouxe algo novo para o leitor, rompendo com o estilo tradicional das outras publicações:


Realidade, no entanto, vai além. Como se trata de uma revista mensal, livre das imposições que o ritmo da contingência impõe a um jornal diário, a publicação se estende nos temas pautados, tanto quanto o leitor convive com eles durante um período prolongado. Nessa medida, a grande reportagem, de caráter vertical, domina a revista. E, em razão disso, o repórter molda o texto que, pela forma utilizada, também diz respeito aos padrões culturais do cotidiano das classes médias urbanas (FARO, 1999: 41).


O desafio era tocar em questões polêmicas e desvendar os tabus de forma franca, para desmistificar estes assuntos, informar ao leitor, apresentar dados que se tornassem do conhecimento do público, e possivelmente viessem a contribuir com uma mudança social, quebrando tabus e preconceitos que em nada favoreciam o bem estar social daqueles que passavam por tais problemas e situações.


Contudo, ser pioneira teve o seu preço. Maia (1986) analisa a dificuldade deste pioneirismo em ser a primeira revista no país a tratar assuntos tabus: “logo na décima edição ficou claro que fazer jornalismo abordando temas de comportamento em 1966 era mais que um desafio, era um confronto com o conservadorismo da sociedade brasileira” (MAIA, 1986).


Tocar em assuntos polêmicos, tabus e preconceitos, incomodou então uma parte da sociedade que era moralista e também despertou a atenção da censura, que desde o Golpe Militar em 1964 se manifestava, podando alguns movimentos que pudessem dar a impressão de discordar com o regime de governo instalado no país. E de fato não agradou a todos, embora a revista tenha mudado a cara do Brasil, estabelecendo a “geração Realidade”, como conhecida nos anos 70. Maia (1986) avalia seus efeitos da seguinte forma: “O Brasil de 60 é irreconhecível hoje (anos 80), deu um salto em abertura intelectual, em abertura de informações” (MAIA, 1986).


Com a chegada do AI-5 a revista teve que mudar seu formato e aos poucos se descaracterizou até deixar de ser o que era. Em 13 de dezembro de 1968 foi declarado o Ato Institucional número 5 – o AI-5 – que determinava entre outras regras divulgadas em documentos oficiais: “Censura prévia aos veículos de comunicação que não se alinhassem à ordem social preconizada pelo regime militar”. Alguns dos funcionários do Serviço de Censura e Divisões Públicas decidiam o que o público poderia ou não ler, assistir, ouvir. Eles determinavam as proibições de livros, revistas, peças de teatro e músicas, entre outras ações.


Como dito antes, não apenas o governo tinha a sua censura, mas a própria sociedade também se manifestava em muitas situações para contestar as matérias publicadas pela revista Realidade. Contudo, a revista alcançou um crescimento histórico para a época, tendo sua tiragem duplicada em aproximadamente 06 meses. Segundo divulgado na Edição número 11, em fevereiro de 1967, Realidade logo alcançou a tiragem de 475 mil exemplares por mês, com 3 leitores para cada exemplar, somando então cerca de 1,5 milhão de leitores em todo território nacional.


* Leia a continuação deste artigo no texto 2/3 (abaixo). A conclusão e as referências bibliográficas encontram-se na parte 3/3.
 
 
TALITA GODOY
JULHO/2011
 
 
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