SÍNTESE DO TEXTO:
Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão – DE MICHEL FOUCAULT
Parte III, Capítulo 1 – Os corpos dóceis
O soldado, no início do século XVII: sinais naturais de seu vigor e coragem e as marcas de seu orgulho – o corpo como brasão de força e valentia; o porte da cabeça e a retórica corporal da honra. (p.131)
O soldado na segunda metade do século XVII: algo fabricado, de massa informe, corpo inapto; foi “expulso o camponês” e lhe foi dada a “fisionomia de soldado”. (p.132)
· Descoberta do corpo como objeto e alvo do poder.
“O Homem-máquina”, de La Mettrie, foi escrito em dois registros (p. 132):
1. Anátomo-metafísico, com as primeiras páginas escritas por Descartes, continuado por médicos e filósofos
2. Técnico-político, conjunto de regulamentos militares, escolares, hospitalares e por processos empíricos e refletidos para controlar e corrigir as ações do corpo.
Teoria geral do adestramento: noção de docilidade, une ao corpo analisável o corpo manipulável. “É dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado” (p.132).
A escala do controle:
· Manter o corpo ao nível mesmo da mecânica, poder sobre o corpo ativo
O objeto do controle:
· A economia, a eficácia dos movimentos, sua organização interna; a coação se faz mais sobre os sinais; cerimônia do exercício.
A modalidade do controle:
· coerção constante que vela sobre os processos da atividade mais que sobre seu resultado e se exerce de acordo com uma codificação que esquadrinha ao máximo o tempo, o espaço, os movimentos.
DISCIPLINAS: “métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõe uma relação de docilidade-utilidade” (p. 133).
Processos disciplinares: convento, exército, oficinas. Avançam nos séculos XVII e XVIII.
Diferentes da escravidão: não impõe relação de posse, apropriação dos corpos
Diferentes da domesticidade: não é uma dominação constante, global ou maciça
Diferentes da vassalidade: não é uma relação de submissão altamente codificada
Diferente do ascentismo e das disciplinas do tipo monástico, que tem por função realizar renúncias mais do que aumentos de utilidade
· O momento histórico das disciplinas é o momento onde nasce uma arte do corpo humano, que visa não unicamente o aumento das suas habilidades, nem tampouco aprofundar sua sujeição, mas a formação de uma relação em que no mesmo mecanismo o torna tanto mais obediente quanto é mais útil, e inversamente (p.133).
A disciplina fabrica assim corpos dóceis.
A disciplina dissocia o poder do corpo, faz dele por um lado uma aptidão, uma capacidade que ela procura aumentar, e inverte por outro lado a energia, a potência que poderia resultar disso, faz dela uma relação de sujeição escrita. Se a exploração econômica separa a força e o produto do trabalho, digamos que a coerção disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma aptidão aumentada e uma dominação acentuada.
A disciplina é uma anatomia política do detalhe.
A importância do detalhe: citação da página 135
A arte das distribuições
1) Cerca: local protegido da monotonia disciplinar; encerramento dos vagabundos e dos miseráveis. Entre eles: Colégios, com modelo de convento e internato como modelo de educação; Quartéis, conjunto cercado por muralhas para manter as tropas em ordem e disciplina. Surgem as oficinas, indústrias e fábricas, desenvolvidas na segunda metade do século XVIII. As fábricas se assemelham aos conventos, fortaleza e cidade fechada. A situação dos operários é de total submissão o controle.
2) Clausura: A segunda técnica aborda o principio de clausura como algo não constante, mas como princípio de localização imediata ou quadriculamento, em que cada indivíduo está em seu lugar, e em cada lugar há um indivíduo, tantas parcelas quantos forem os indivíduos, evitando-se assim o coletivo. Desda forma controlar a cada instante, “vigiar o comportamento de cada um, apreciá-lo, sancioná-lo, medir as qualidades ou méritos. Procedimento portanto para conhecer, dominar e utilizar. A disciplina organiza m espaço analítico” (p. 138). Espaço celular, como a cela dos conventos.
3) Regra das localizações funcionais: “Lugares determinados se definem para satisfazer não só à necessidade de vigiar, de romper as comunicações perigosas, mas também de criar um espaço útil” (p. 139). Exemplo: hospitais e portos, onde há vigilância que articula um espaço administrativo e político. Final do século XVIII, a situação das fábricas se complica com a necessidade de “ligar a distribuição dos corpos, a arrumação espacial do aparelho de produção e as diversas formas de atividade na distribuição dos postos” (p.140) no que se deve ainda vigiar de forma geral e individual.
4) Elementos intercambiáveis: “o lugar que alguém ocupa numa classificação, o ponto em que se cruzam uma linha e uma coluna, o intervalo numa série de intervalos que se pode percorrer sucessivamente. A disciplina, arte de dispor em fila, e da técnica para a transformação dos arranjos. Ela individualiza os corpos por uma localização que não os implanta, mas os distribui e os faz circular numa rede de relações” (p. 140 e 141). Exemplo: as classes nos colégios jesuítas, a ordenação em fileiras (p. 141). “A organização de um espaço serial foi uma das grandes modificações técnicas do ensino elementar. Permitiu ultrapassar o sistema tradicional” (p. 142). A reorganização de espaço permitiu ganhos na administração ou controle individual e ganho no tempo empregado nas atividades propostas. “ A sala de aula formaria um grande quadro único, com entradas múltiplas, sob o olhar cuidadosamente classificados do professor” (p. 142).
“A primeira das grandes operações da disciplina é então a constituição de quadros vivos que transformam as multidões confusas, inúteis ou perigosas em multiplicidades organizadas”... “o quadro, no século XVIII, é ao mesmo tempo uma técnica de poder e um processo de saber” (p. 143). Poder celular.
O controle da atividade
1) O horário: processos de estabelecer as censuras, obrigadas a ocupações determinadas, regulamentar os ciclos de repetição. Logo surgiram nos colégios, hospitais e oficinas. Construção do tempo integralmente útil. “O tempo medido e pago deve ser também um tempo sem impureza nem defeito, um tempo de boa qualidade, e durante todo o seu transcurso o corpo deve ficar aplicado a seu exercício. A exatidão e a aplicação são, com a regularidade, as virtudes fundamentais do tempo disciplinar” (p. 145,147).
2) A Elaboração temporal do ato: controle da marcha de uma tropa feita por duas maneiras – Começo do século XVII, pelo ritmo do tambor, em fila, começando com o pé direito; metade do século XVIII, em quatro tipos distintos de passos, com alto grau de precisão.
“Define-se uma espécie de esquema anátomo-cronológico do comportamento. O ato é decomposto em seus elementos; é definida a posição do corpo, dos membros, das articulações; para cada movimento é determinada uma direção, uma amplitude, uma duração; é prescrita sua ordem de sucessão. O tempo penetra o corpo, e com ele todos os controles minuciosos do poder” (p. 146).
3) Donde o corpo e o gesto postos em correlação: além de ensinar gestos definidos, o controle disciplinar impõe a melhor entre um gesto e o corpo. O bom desempenho do corpo permite o bom uso do tempo. “Um corpo disciplinado é a base de um gesto eficiente” (p. 147).
4) A articulação corpo-objeto: a disciplina define em detalhes cada relação entre corpo e objeto manipulado, a codificação instrumental do corpo. “A regulamentação imposta pelo poder é ao mesmo tempo a lei de construção da operação. E assim parece este caráter do poder disciplinar: tem uma função menos de retirada que de síntese, menos de extorsão do produto que de laço coercitivo com o aparelho de produção” (p. 148).
5) A utilização exaustiva: “é proibido perder um tempo que é contado por Deus e pago pelos homens”... “o máximo de rapidez encontra o máximo de eficiência” (p. 148). Ensinava-se a rapidez como sendo uma virtude. Técnica de sujeição.
A organização das gêneses
Desenvolvimento de nova técnica para o uso do tempo. Exemplo de 04 processos utilizados no exército (p. 152):
1) Dividir a organização em segmentos, sucessivos ou paralelos, dos quais cada um deve chegar a um termo específico.
2) Organizar essas sequências segundo um esquema analítico – sucessão de elementos tão simples quanto possível, combinando-se segundo uma complexidade crescente.
3) Finalizar estes segmentos temporais, fixar-lhes um termo marcado por uma prova, que tem a tríplice função de indicar se o indivíduo atingiu o nível estatutário, de garantir que sua aprendizagem está em conformidade com a dos outros, e diferenciar as capacidades de cada indivíduo.
4) Estabelecer séries de séries, prescrever a cada um de acordo com o seu nível, antiguidade, posto, os exercícios que lhe convém.
Pouco a pouco a mesma prática disciplinar foi se aplicando na pedagogia, desenrolando programas específicos para cada fase, com a elaboração das classes em séries conforme cada nível. Gênese, progresso das sociedades e dos indivíduos.
A composição das forças
Fim do século XVII: A unidade torna-se uma espécie de máquina de peças múltiplas que se deslocam em relação umas às outras para chegar a uma configuração e obter um resultado específico. As razões desta mudança são econômicas, dar a cada soldado um máximo de eficiência. Isso se deu a partir da invenção do fuzil. A unidade de base passa a ser o soldado móvel com o seu fuzil. “A disciplina não é mais simplesmente uma arte de repartir os corpos, de extrair e acumular o tempo deles, mas de compor forças para obter um aparelho eficiente” (p. 158).
1) “O homem de tropa é antes de tudo um fragmento de espaço móvel, antes de ser uma coragem ou uma honra” (p. 158).
2) Tempo composto: “o tempo de uns deve-se ajustar ao tempo de outros de maneira que se possa extrair a máxima quantidade de forças de cada um e combiná-la num resultado ótimo” (p. 158). Ajustamento de cronologias diferentes.
3) “É necessário e suficiente que provoque o comportamento desejado. Do mestre de disciplina àquele que lhe é sujeito, a relação é de sinalização: o que importa não é compreender a injunção, mas perceber o sinal, reagir logo a ele, de acordo com um código mais ou menos artificial estabelecido previamente” (p. 158, 159). Técnica do treinamento.
Quatro características da individualidade:
· É celular (jogo da repartição espacial)
· É orgânica (codificação das atividades)
· É genética (acumulação do tempo)
· É combinatória (composição das forças)
“Para realizar a combinação das forças, organiza táticas” (p. 161).
“A tática, arte de construir, com os corpos localizados, atividades codificadas e as aptidões formadas, aparelhos em que o produto das diferentes forças se encontra majorado por sua combinação calculada é sem dúvida a forma mais elevada da prática disciplinar” (p. 161).
“Se há uma série guerra-política que passa pela estratégia, há uma série exército-política que passa pela tática. É a estratégia que permite compreender a guerra como uma maneira de conduzir a guerra entre os Estados; é a tática que permite compreender o exército como um princípio para manter a ausência de guerra na sociedade civil” (162).
“Dever-se-ia tornar a disciplina nacional [dizia Guibert]” (p. 162).
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