Em ano de Copa do Mundo parece que todo brasileiro
fica meio Policarpo Quaresma. Poderia ser assim
também na hora escolher e dar o voto.
Quando me perguntam por que eu ainda moro no Brasil, enquanto parte da minha família vive no exterior, a resposta principal é muito simples: eu amo o meu país!
É claro que por aqui se vê tanto coisas boas como ruins, mas eu me apego no que há de bom. Tem pessoas lindas por dentro e por fora, uma natureza exuberante, um clima ameno, vivo numa cidade culturalmente farta; por todos os lados há uma opção de lazer, gosto de caminhar pelo centro, é certo que haverá algo pitoresco a ser observado. Se eu quiser enumerar tudo o que amo em São Paulo, será uma missão quase impossível.
Em certo sentido, “policarpiana” que sou, eu apenas deixaria a minha terra se realmente fosse muito necessário. Tenho esperanças de que o nosso povo reconheça o poder do voto e um dia aprenda a votar. Que honre mais a pátria, que o patriotismo exista de coração aberto. Brasileiros são naturalmente amáveis e eu uma sonhadora incorrigível...
Em ano de Copa do Mundo as ruas ficam cheias de bandeiras, todos vestem a camisa canarinho. Acho lindo! Mas depois vai tudo para a gaveta e só daqui a quatro anos é que iremos demonstrar novamente algum gesto assim. Pensando bem, não seria apenas uma torcida enlouquecida por uma seleção? Então a pátria não tem nada a ver com isso? Deveria... como deveriam os jogadores ao menos saber a letra do Hino Nacional para não fazer feio ao balbuciar algumas palavras diante das câmeras de televisão.
Falando assim vão pensar que realmente sou uma discípula de Policarpo Quaresma, e que só me falta defender o uso da Língua Tupi! Eu gosto da brincadeira. Talvez por isso, dias atrás, eu já tenha chegado ao Teatro do SESC tão pré-disposta a curtir muito o espetáculo que retrata um homem pra lá de apaixonado pelo Brasil: eu também sou mas numa medida bem diferente, sem tanta ingenuidade e sem tanta euforia. De certa forma assumo que me reconheço nele em alguns devaneios patrióticos, mas que são apenas idéias utópicas, logo passam. Já Policarpo levava tudo a ferro e fogo, apresentava suas idéias aos governantes e acreditava piamente numa resposta positiva.
Para quem leu “Triste fim de Policarpo Quaresma”, provavelmente se lembre de uma leitura escolar obrigatória, talvez pesada e até chata. Mas o que eu encontrei no teatro não foi o Major insano da literatura de Lima Barreto. Num palco vazio, todo escuro, vi a mágica do ator Lee Thalor, que se transformou num Policarpo Quaresma inimaginável, carismático, por quem torci o tempo todo por um final feliz.
Toda a trajetória do personagem central foi sintetizada em menos de duas horas de espetáculo. Num ritmo bem ligeiro, contou a passagem do tempo de forma simples e criativa, praticamente sem nenhum grande recurso além do inegável talento de cada ator e atriz presentes no palco. Tem cenas de marcha, de tango, coral dos atores, hinos oficiais e um desfile de belas roupas e chapéus que enchem os olhos, especialmente das mulheres, creio eu.
Quando eu soube que a peça havia recebido indicação ao Premio Shell de Teatro por melhor figurino, fiquei bastante curiosa e mais ainda impressionada ao perceber como a figurinista e coreógrafa Rosangela Ribeiro conseguiu com o uso das vestes substituir o cenário. Este é o terceiro ano consecutivo que a figurinista concorre. Nas palavras de Ribeiro, ser indicada três vezes seguidas é ainda melhor do que uma única indicação e um único prêmio; é ser lembrada mais vezes, e assim ter seu trabalho ainda mais apreciado.
O espetáculo reuniu atores experientes com outros mais novos, em idade ou tempo de palco. Um exemplo desta fusão é o veterano Geraldo Mario - que atua há muitos anos no CPT e desta vez está engraçadíssimo nos seus vários papéis da peça, entre eles a Tia Maria Rita e o empregado Anastácio - com o caçula, João Paulo Bienemann, um rapaz com cara de bebê que conseguiu impressionar. Quando fui cumprimentá-lo, comentei que ele era um “João grandão” pois no palco ele crescia de tal forma que não havia como não reparar no seu potencial; humilde, ele agradeceu e se retirou. Sua voz ecoava pelo teatro numa das cenas enquanto, de canto, Policarpo se posicionava para apenas observar e anotar alguma coisa em seu fiel caderninho de bolso. Mania essa que eu também tenho!
A peça é assinada pelo respeitado diretor Antunes Filho, que segundo eu soube pouco acata sugestões do tipo, mas foi de Lee Thalor a idéia de sapatear no palco em cima das formigas saúvas que ameaçavam destruir o plantio em terras nacionais. Em defesa não só da plantação, mas também do país, de forma simbólica, aos poucos se ouve o instrumental do Hino Nacional Brasileiro com a coreografia de Policarpo Quaresma. A interpretação de Thalor vista da primeira fileira onde eu estava, era vívida, plena, marcante. Até quando ele piscava os olhos eu estava lá, acompanhando tudo.
Em momentos assim eu sinto na alma como a arte é forte e capaz de emocionar. Meus olhos não acreditavam no que eu estava vendo! Vale a pena rever o espetáculo por conta disso. Que cena linda! Eu realmente nunca tinha visto aplausos durante uma peça...
Pretendo assistir aos outros espetáculos que têm seus indicados ao Prêmio Shell como melhor ator, mas de antemão penso que será bem difícil superar a interpretação de Lee Thalor. Até o final do ano, se eu descobrir alguém, conto para vocês. Façam suas apostas!
Sair do Brasil e perder isso tudo???
Por enquanto nem pensar...
Por enquanto nem pensar...
Policarpo Quaresma
Texto: Lima Barreto
Direção: Antunes Filho
Elenco: Adriano Bolshi, André Bubman, André de Araújo, Angélica Colombo, Bruna Anauate, Carlos Morelli, Carolina Meinerz, Erick Gallani, Fernando Aveiro, Flávia Strongolli, Geraldo Mario, ivo Leme, João Paulo Bienemann, Lee Thalor, Marcos de Andrade, marília Moreira, Michelle Boesche, Natalie Pascoal, Roberto Borestein, Ruber Gonçalves, Tatiana Lenna e Ygor Fiori.
Elenco: Adriano Bolshi, André Bubman, André de Araújo, Angélica Colombo, Bruna Anauate, Carlos Morelli, Carolina Meinerz, Erick Gallani, Fernando Aveiro, Flávia Strongolli, Geraldo Mario, ivo Leme, João Paulo Bienemann, Lee Thalor, Marcos de Andrade, marília Moreira, Michelle Boesche, Natalie Pascoal, Roberto Borestein, Ruber Gonçalves, Tatiana Lenna e Ygor Fiori.
SESC Consolação - Teatro Anchieta
Rua Dr. Vila Nova, 245 - Tel. 32343000
Outras informações: http://www.sescsp.org.br/
Talita Godoy
26/07/2010
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